Crónica de Mário de Sousa | Silly Season à portuguesa

 

Crónica de Mário de Sousa
Silly Season à portuguesa

 

Terminou a silly season em Portugal e ainda bem porque esta terá começado da pior forma com um ataque soez à liberdade de expressão e de imprensa aqui em Mafra. Para uma silly season como esta chamam os ingleses “Tempo do Pepino”

A minha última crónica, talvez porque já tinha começado o ‘tempo do pepino’, foi vítima de uma atitude pepineira. Meia dúzia de ‘pepineiros’ resolveu apresentar uma denúncia ao Google por o texto ser de cariz sexual. Claro que, como bons denunciantes e muito cientes do seu ato que tiveram medo de assumir, mantiveram-se no anonimato, crentes de que assim passariam despercebidos. Para evitar a censura bem como penalidades para o Jornal de Mafra, pedi para que ela fosse retirada. Lembro que estamos em 2022 (Sec. XXI) em Portugal o país mais a Ocidente da Europa.

A estória era simples. N´Nori nascida gémea com outra menina numa etnia do Norte da Guiné sobrevive à tradição que diz que um dos gémeos tem de morrer. Levada para outra aldeia por lá cresce tornando-se uma jovem atraente e cortejada pelo elemento masculino local. Apenas um lhe merece respeito e com ele se trava de amores.

O dono da cantina, um europeu há muito a viver naquela terra e habituado ao poder sórdido que lhe confere a sua origem, tenta seduzir N’Nori sendo sempre rejeitado e por isso não vê com bons olhos o despertar do amor entre ela e o seu empregado. Num fim de dia sai em perseguição de N’NOri e já no mato ataca-a e viola-a de forma cruel. Muito maltratada N’Nori sobrevive mas o veredito do cantineiro estava traçado. Uns dias mais tarde aparece estrangulado dentro da sua cantina. O assassino nunca apareceu e N’Nori ficou para sempre esperando o seu amante nas noites de Lua Cheia.

Quer se goste ou não, estórias como esta e outras parecidas, terão acontecido vezes sem conta durante a época colonial. Escrever sobre elas 48 anos após o nosso grito de Liberdade parece-me mais do que justo para bem daqueles que ainda hoje sofrem com as ignomínias que sobre eles e seus antepassados foram praticadas. Os colonialismos nunca foram nem são bons e o nosso esteve bem longe de ter sido um conto de fadas.

Talvez tenha sido este despertar de fantasmas que assustou estes ‘denunciantes’ que, tal como no Portugal de antes de Abril de 74 têm como modo de vida de forma cobarde e mesquinha adular os poderes e denunciar aqueles que de alguma forma possam prejudicar quem miseravelmente os alimentam. Para isso evocam a moral e os bons costumes e assim sentem respaldo para atacarem sordidamente quem levanta bem alto o contrapoder da palavra de que eles têm um medo patético.

Natália Correia define estes saudosistas defensores de morais próprias muito duvidosas escrevendo nos anos 60 do século passado:

“Ficaram mortos sem cemitério

  Sem se lembrarem de ter morrido

  Como fantasmas daquele império

  Que é a saudade de termos sido.”[i]

A liberdade de expressão pode ser difícil de encontrar mas continuarei sempre a procurá-la seguindo as palavras de Walt Whitman:

“Se à primeira não me encontrares, não desanimes,

  Se não estiver num lugar, procura-me noutro,

  Algures estarei à tua espera”[ii]

A estes indivíduos que vivem procurando destruir a serenidade moral dos que têm a consciência tranquila e olham a vida rosto a rosto, ignoro-os.

 

Mafra, 01 de Setembro de 2022

Mário de Sousa


[i]Natália Correia, Comunicação, Biblioteca da censura – Edição fac-simile, Público Comunicação Social SA, 2022

[ii] Walt Whitman, Canto de Mim Mesmo, Biblioteca Editores Independentes, Sociedade Editora de Livros de Bolso, Lda., Lisboa (pp 143)

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